I. Introdução
A Lei n.º 18/2022, de 25 de agosto, veio alterar o Regime Jurídico da Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional (o “Regime Jurídico”), aprovado pela Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, introduzindo e concretizando medidas significativas de promoção da imigração regulada e de garantia de condições de integração.
Entre estas medidas, destacam-se:
i) O Visto de Estada Temporária e de Residência para o Exercício de Atividade Profissional Prestada de Forma Remota;
ii) O Visto para Procura de Trabalho; e
iii) As medidas necessárias para a implementação do Acordo sobre a Mobilidade entre os Estados-Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Além disso, a Lei n.º 18/2022:
i) Simplificou os procedimentos de concessão de Vistos e de Autorizações de Residência;
ii) Densificou o regime referente ao Visto de Residência para acompanhamento familiar de cidadão portador de visto de residência temporária; e
iii) Assegurou a possibilidade do exercício de atividade profissional por titular de Autorização de Residência para Investigação, Estudo e Estágio Profissional.
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II. Visto de Estada Temporária e de Residência para o Exercício de Atividade Profissional Prestada de Forma Remota (“Nómadas Digitais”)
Atualmente, podem ser concedidos dois tipos de Vistos, de modo a exercer-se atividade profissional, prestada de forma remota, mais concretamente:
i) O Visto de Estada Temporária, previsto na alínea d) do Artigo 45.º do Regime Jurídico; e
ii) O Visto de Residência, previsto na alínea e) do Artigo 45.º do Regime Jurídico.
O primeiro, nos termos do n.º 1 do Artigo 54.º do Regime Jurídico, "destina-se a permitir a entrada e a estada em território nacional por período inferior a um ano (…)”, somente nos casos estipulados nas respetivas alíneas do n.º 1.
Já o segundo, de acordo com o n.º 1 do Artigo 58.º do Regime Jurídico, “destina-se a permitir ao seu titular a entrada em território português a fim de solicitar autorização de residência”.
A concessão de Visto de Estada Temporária, para efeitos de exercício de atividade profissional, prestada de forma remota, tornou-se possível com a Lei n.º 18/2022, que alterou a alínea i) do n.º 1 do Artigo 54.º, introduzindo o “exercício de atividade profissional subordinada ou independente, prestada, de forma remota, a pessoa singular ou coletiva com domicílio ou sede fora do território nacional”, como situação em que este tipo de visto pode ser concedido. Na sequência do supra exposto, relativamente ao Visto de Estada Temporária, a Lei n.º 18/2022 introduziu um n.º 4 ao Artigo 54.º, do qual se retira que “a emissão do visto de estada temporária previsto na alínea i) do n.º 1 carece de demonstração do vínculo laboral ou da prestação de serviços, consoante o caso”.
Por sua vez, o referido Visto de Residência tornou-se passível de concessão, para efeitos de exercício de atividade profissional, prestada de forma remota, aquando da introdução do Artigo 61.º-B pela Lei n.º 18/2022. Este Artigo dispõe que “é concedido a trabalhadores subordinados e profissionais independentes visto de residência para o exercício de atividade profissional prestada, de forma remota, a pessoas singulares ou coletivas com domicílio ou sede fora do território nacional, devendo ser demonstrado o vínculo laboral ou a prestação de serviços, consoante o caso”.
O surgimento das possibilidades acima expostas decorreu de uma crescente adaptação da nossa sociedade às novas tecnologias da comunicação, impulsionada pelo aparecimento da doença Covid-19 e consequente pandemia que forçou, nomeadamente, a generalidade das empresas a recorrer ao teletrabalho. Uma das inúmeras vantagens normalmente associadas ao teletrabalho e novas tecnologias, de modo geral, é o facto de permitirem que as pessoas trabalhem a partir de qualquer parte do mundo, só necessitando, para o efeito, de um dispositivo portátil/computador e acesso à Internet.
Nesta sequência, permitir que pessoas de outros países venham para Portugal exercer a sua atividade, de forma remota, representa, sem qualquer tipo de dúvidas, uma medida que visa o estímulo da economia. Tendo em conta a hipótese de concessão de Visto de Residência e Visto de Estada Temporária para os ditos “Nómadas Digitais”, importa salientar que, nos termos das alíneas c) e e) do n.º 1 do Artigo 72.º, os titulares dos referidos Vistos podem beneficiar da concessão de uma prorrogação de permanência no país até 90 dias ou até 1 ano, respetivamente, sem prejuízo do exposto no n.º 2 do referido Artigo.
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III. Visto para Procura de Trabalho
A Lei n.º 18/2022 veio introduzir um Visto para Procura de Trabalho, cuja previsão legal se encontra no Artigo 57.º-A do Regime Jurídico. Passa-se a reproduzir:
“1 — O visto para procura de trabalho:
a) Habilita o seu titular a entrar e permanecer em território nacional com finalidade de procura de trabalho, mediante o cumprimento dos requisitos previstos no artigo 52.º;
b) Autoriza o seu titular a exercer atividade laboral dependente, até ao termo da duração do visto ou até à concessão da autorização de residência;
c) É concedido para um período de 120 dias, prorrogável por mais 60 dias e permite uma entrada em Portugal.
2 — O visto para procura de trabalho integra uma data de agendamento nos serviços competentes pela concessão de autorizações de residência, dentro dos 120 dias referidos no número anterior, confere ao requerente, após a constituição e formalização da relação laboral naquele período, o direito a requerer uma autorização de residência, desde que preencha as condições gerais de concessão de autorização de residência temporária, nos termos do artigo 77.º.
3 — No término do limite máximo da validade do visto para procura de trabalho sem que tenha sido constituída a relação laboral e iniciado o processo de regularização documental subsequente, o titular do visto tem de abandonar o país e apenas pode voltar a instruir um novo pedido de visto para este fim, um ano após expirar a validade do visto anterior.
4 — Aplica-se, com as necessárias adaptações, aos titulares de visto para procura de trabalho que constituam relação laboral dentro do limite de validade do visto, as regras aplicáveis aos vistos de estada temporária, previstas na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 56.º-A, nos n.os 1 e 2 do artigo 56.º-B e nos artigo 56.º-C a 56.º-G”.
Neste contexto são relevantes algumas considerações. Por procura de trabalho parece dever entender-se procura ativa de emprego, que, nos termos do n.º 1 do Artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, consiste na realização de forma continuada de um conjunto de diligências do candidato a emprego com vista à inserção socioprofissional no mercado de trabalho pelos seus próprios meios. Por sua vez, o n.º 2 do mesmo Artigo concretiza as diligências em que se materializa a procura ativa de emprego através das suas alíneas a) a f), a saber:
i) Respostas escritas a anúncios de emprego;
ii) Respostas ou comparências a ofertas de emprego divulgadas pelo centro de emprego ou pelos meios de comunicação social;
iii) Apresentações de candidaturas espontâneas;
iv) Diligências para a criação do próprio emprego ou para a criação de uma nova iniciativa empresarial; respostas a ofertas disponíveis na Internet; e,
v) Respostas a ofertas disponíveis na Internet; e
vi) Registos do curriculum vitae em sítios da Internet.
Salvo melhor opinião, não deverão ser admitidas outras formas de demonstração e/ou prova de procura de emprego, sob pena de se poderem originar situações de fraude à lei.
Versando sobre a alínea b) do mencionado n.º 1, destaca-se que o visto para procura de trabalho cessa os seus efeitos, a nível da área laboral, em concreto, na situação de trabalho por conta de outrem, após a concessão da autorização de residência. Percebe-se, pois, que a ratio da criação deste visto tem em vista a mera fixação da pessoa e, em certos casos, da sua família, para o começo célere da sua atividade profissional, deixando de servir o seu propósito após a obtenção de título de residência.
O n.º 2 do Artigo 57.º-A acentua este caráter de “passo inicial” para a entrada e permanência em território nacional bem como, em consonância, o ingresso imediato no mercado laboral português. Tal deve-se ao facto de se consagrar, neste n.º 2, que o “visto para procura de trabalho integra uma data de agendamento nos serviços competentes pela concessão de autorizações de residência”. Assim, o Visto para Procura de Trabalho acaba por ser um mero momento a jusante da emissão do título de residência.
O período de validade do visto é de 120 dias, prorrogável por mais 60 dias, perfazendo um total de 180 dias (6 meses), segundo a alínea c) do mesmo n.º 1, em conjugação com a alínea b) do n.º 1 do Artigo 72.º do Regime Jurídico.
Por sua vez, o n.º 3 do Artigo 57.º-A estabelece as consequências da ultrapassagem do “limite máximo da validade do visto para procura de trabalho sem que tenha sido constituída a relação laboral”. Nesta situação, “o titular do visto tem de abandonar o país e apenas pode voltar a instruir um novo pedido de visto para este fim, um ano após expirar a validade do visto anterior”. Por outro lado, este n.º 3 confirma a necessidade da mera celebração do contrato de trabalho até ao último dia do período de validade do visto (de 6 meses, com a referida prorrogação) e não o efetivo começo do desenvolver da atividade, objeto do contrato de trabalho.
No que diz respeito ao n.º 4 do Artigo 57.º-A destaca-se que, no caso de os documentos apresentados terem sido obtidos de modo fraudulento, falsificados ou adulterados, ocorre o indeferimento do pedido de Visto para Procura de Trabalho, de acordo com a alínea b) do n.º 1 do Artigo 56.º-A do Regime Jurídico. Neste âmbito, outra causa de indeferimento será a permanência do cidadão de estado terceiro em território nacional para fins distintos para os quais foi autorizada a permanência, segundo o n.º 1 do Artigo 56.º-B.
Em caso de decisão de cancelamento do visto é aplicável o n.º 2 do Artigo 56.º-A, que estatui que “as decisões de indeferimento do pedido têm em conta as circunstâncias específicas do caso, nomeadamente dos interesses do trabalhador e respeitam o princípio da proporcionalidade”. Note-se que as decisões de indeferimento da concessão do Visto para Procura de Trabalho, e “bem como da respetiva prorrogação de permanência, são notificadas por escrito ao requerente, com indicação dos respetivos fundamentos, do direito de impugnação judicial, do tribunal competente e do respetivo prazo”, segundo o n.º 8 do Artigo 56.º-C. Por sua vez, a decisão de cancelamento do visto, prevista no Artigo 56.º-B, é também “notificada por escrito ao requerente, com indicação dos respetivos fundamentos, do direito de impugnação judicial e respetivo prazo”, segundo o n.º 9 do Artigo 56.º-C.
Relativamente ao tema do alojamento para os nacionais de países terceiros que vêm para Portugal com Visto para Procura de Trabalho, o Artigo 56.º-D confere a possibilidade de o empregador garantir o alojamento ao trabalhador. A garantia de alojamento ao trabalhador deve assegurar igualmente a existência de condições e/ou "normas de salubridade e segurança em vigor, devendo o mesmo ser objeto de um contrato escrito ou de cláusulas do contrato de trabalho, com indicação das condições de alojamento", de modo a afastar situações de habitabilidade precária de migrantes como as que marcaram o ano de 2020, sobre as condições de habitabilidade dos migrantes em Odemira.
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IV. Visto de Residência
Sobre o Visto de Residência, a Lei n.º 18/2022 acrescentou o n.º 5 ao Artigo 58.º do Regime Jurídico, o qual dispõe que o “visto de residência tem ainda como finalidade o acompanhamento de membros da família do requerente de um visto de residência, na aceção do n.º 1 do Artigo 99.º, podendo os pedidos ser suscitados em simultâneo”. Denota-se a preocupação do legislador em manter a família unida no momento da entrada e permanência no território nacional, com esta modalidade de visto. Ressalva-se a possibilidade de os pedidos poderem ser requeridos em simultâneo.
Para efeitos do disposto supra consideram-se membros da família do residente, segundo o n.º 1 do Artigo 99.º do Regime Jurídico:
i) O cônjuge;
ii) Os filhos menores ou incapazes a cargo do casal ou de um dos cônjuges;
iii) Os menores adotados pelo requerente quando não seja casado, pelo requerente ou pelo cônjuge, por efeito de decisão da autoridade competente do país de origem, desde que a lei desse país reconheça aos adotados direitos e deveres idênticos aos da filiação natural e que a decisão seja reconhecida por Portugal;
iv) Os filhos maiores, a cargo do casal ou de um dos cônjuges, que sejam solteiros e se encontrem a estudar num estabelecimento de ensino em Portugal;
v) Os filhos maiores, a cargo do casal ou de um dos cônjuges, que sejam solteiros e se encontrem a estudar, sempre que o titular do direito ao reagrupamento tenha autorização de residência concedida ao abrigo do Artigo 90.º-A;
vi) Os ascendentes na linha reta e em 1.º grau do residente ou do seu cônjuge, desde que se encontrem a seu cargo; e,
vii) Os irmãos menores, desde que se encontrem sob tutela do residente, de harmonia com decisão proferida pela autoridade competente do país de origem e desde que essa decisão seja reconhecida por Portugal.
Segundo o n.º 2 do mesmo artigo, “consideram-se ainda membros da família, para efeitos de reagrupamento familiar do refugiado menor não acompanhado”:
i) Os ascendentes diretos em 1.º grau; e,
ii) O seu tutor legal ou qualquer outro familiar, se o refugiado não tiver ascendentes diretos ou não for possível localizá-los.
V. Notas Gerais sobre os Vistos
No âmbito da possibilidade de prorrogação da permanência, verificaram-se alterações efetuadas pela Lei n.º 18/2022, no n.º 2 do Artigo 72.º do Regime Jurídico, cuja redação dispõe que “a prorrogação de permanência pode ser concedida, para além dos limites previstos no número anterior, na pendência de pedido de autorização de residência, bem como em casos devidamente fundamentados, nomeadamente no caso de titulares de estada temporária para tratamento médico e de quem os acompanhe”.
Tendo em conta que não se registaram alterações quanto aos limites, destaca-se o n.º 2, onde se denota a vontade do legislador em acautelar os casos de estrangeiros com visto de estada temporária para tratamento médico, tal como os seus acompanhantes, com a introdução da prorrogação para além dos limites legalmente previstos. Realça-se assim o papel de Portugal no campo da solidariedade, garantindo-se cobertura legal, ao nível da residência, para quem necessite de tratamentos médicos em Portugal.
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VI. Alterações legislativas decorrentes do Acordo sobre a Mobilidade entre os Estados Membros da CPLP
Na sequência da XXVI Reunião do Conselho de Ministros da CPLP decorrida no dia 16 de julho de 2021, em Luanda, Angola, foi aprovado um Acordo em matéria de mobilidade dos cidadãos dos Estados-Membros da CPLP. O Acordo sobre a Mobilidade entre os Estados-membros da CPLP visa contribuir “para uma maior proximidade entre os cidadãos dos Estados-Membros da CPLP e para o incremento das relações de cooperação em todos os domínios”[1]. O mencionado Acordo entrou em vigor a 1 de janeiro de 2022 e permanece em vigor por tempo ilimitado, nos termos do Artigo 31.º do mesmo.
Além disso, o Acordo sobre mobilidade da CPLP aplica-se aos Estados Membros que entregaram os respetivos instrumentos de ratificação junto do Secretariado Executivo, de acordo com o n.º 1 do Artigo 30.º, mais concretamente Portugal[2], São Tomé e Príncipe[3], Timor-Leste[4], Brasil[5], Cabo Verde[6], Guiné-Bissau[7], Angola[8] e Moçambique[9].
Por conseguinte, após a ratificação do Acordo sobre a Mobilidade da CPLP, assinado em Luanda, a 17 de julho de 2021, Portugal procedeu à alteração legislativa do Regime Jurídico da Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional. Neste sentido, a Lei n.º 18/2022 aditou ao Regime Jurídico os Artigos 52.º-A e 87.º-A e procedeu à alteração do Artigo 75.º.
No que diz respeito à concessão de vistos a cidadãos de Estados-Membros da CPLP, o Artigo 52.º-A do Regime Jurídico estabelece condições especiais de concessão, mais especificamente:
i) Dispensa de parecer prévio do Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (“SEF”), sendo que os serviços competentes para a emissão do visto procedem à consulta direta e imediata das bases de dados dos Serviços de Informações de Segurança (“SIS”);
ii) A recusa de emissão do visto ocorre exclusivamente no caso de constar indicação de proibição de entrada e de permanência no SIS ou, se aplicável[10], quando o requerente não dispuser de autorização parental ou documento equivalente, no caso de ser menor de idade e não estiver acompanhado por quem exerce as responsabilidades parentais; e,
iii) A emissão do visto é automaticamente comunicada ao SEF.
O n.º 3 do Artigo 52.º-A estabelece que o procedimento simplificado de concessão de visto pode ser extensível a nacionais de outros Estados por via de acordo internacional. Ou seja, o legislador nacional instituiu uma norma que possibilita o alargamento deste processo simplificado de concessão de vistos a nacionais de outros Estados para futuros acordos de mobilidade.
Relativamente à Autorização de Residência Temporária, a Lei n.º 18/2022 alterou o Artigo 75.º do Regime Jurídico, de modo a torná-lo conforme ao Acordo sobre mobilidade da CPLP. Neste sentido, o n.º 2 do Artigo 75.º estabelece que “Quando o requerente estiver abrangido pelo Acordo CPLP e for titular de um visto de curta duração ou tenha uma entrada legal em território nacional, pode solicitar uma autorização de residência temporária superior a 90 dias e inferior a 1 ano, renovável por igual período.”. Nesta sequência, o n.º 3 do Artigo 75.º estabelece a necessidade de consulta oficiosa do registo criminal português do requerente, para efeitos da emissão da autorização de residência temporária.
Já no que respeita à autorização de residência para cidadãos da CPLP, a Lei n.º 18/2022, aditou ao Regime Jurídico o Artigo 87.º-A. Nos termos do n.º 1 deste Artigo, “os cidadãos nacionais de Estados em que esteja em vigor o Acordo CPLP que sejam titulares de visto de curta duração ou visto de estada temporária ou que tenham entrado legalmente em território nacional podem requerer em território nacional, junto do SEF, a autorização de residência CPLP”.
Assim sendo, os cidadãos dos Estados-Membros da CPLP podem requerer autorização de residência, mediante o cumprimento dos seguintes requisitos cumulativos:
i) Inexistência de medidas de interdição de entrada do requerente na Parte de acolhimento; e,
ii) Inexistência de indícios de ameaça por parte do requerente à ordem, segurança ou saúde pública da Parte de acolhimento,
consagrados nas alíneas a) e b) do n.º 1 do Artigo 19.º do Acordo sobre a Mobilidade entre Estados-Membros da CPLP, ex vi n.º 2 do Artigo 87.º-A. Tal como no n.º 3 do Artigo 75.º acima referido, o n.º 3 do Artigo 87.º-A estabelece a necessidade de consulta oficiosa do registo criminal português do requerente por parte dos serviços competentes, para a emissão da autorização de residência.
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VII. Autorizações de Residência para Investigação, Estudo e Estágio Profissional
De acordo com o n.º 2 do Artigo 91.º do Regime Jurídico, alterado pela Lei n.º 18/2022, “a autorização de residência concedida ao abrigo do presente Artigo a estudantes do ensino superior é válida por três anos, renovável por iguais períodos e, nos casos em que a duração do programa de estudos seja inferior a três anos, é emitida pelo prazo da sua duração”.
Anteriormente o período de duração desta autorização era de um ano, no entanto, a Lei n.º 18/2022 procedeu a um alargamento do mesmo, o que se revela benéfico para os estudantes do ensino superior. Para além disso, surge a possibilidade de renovação por iguais períodos, sem que para isso seja necessário avaliar se o titular continua a preencher as condições de concessão, simplificando, deste modo, o procedimento. Em acréscimo, veio ainda a referida Lei efetuar uma ressalva para os casos em que a duração do programa de estudos é inferior a três anos: nesses casos o período de duração da Autorização de Residência corresponde ao prazo da duração do referido programa de estudos. Deste modo, impede-se que alguém usufrua de uma Autorização de Residência por três anos quando a duração do seu programa de estudos é inferior a esse período.
Ainda no que diz respeito à Autorização de Residência concedida a estudantes do ensino superior, a Lei n.º 18/2022 procedeu à introdução do n.º 8 ao Artigo 53.º do qual se retira que “sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 1, a concessão de visto de residência para frequência de programa de estudos de ensino superior, não carece de parecer prévio do SEF, desde que o requerente se encontre admitido em instituição de ensino superior em território nacional”. Esta alteração expressa, de modo inequívoco, uma simplificação do procedimento.
A referida Lei n.º 18/2022 veio ainda alterar a alínea a) do n.º 1 do Artigo 83.º, referente ao direito do titular de Autorização de Residência "à educação, ensino e formação profissional, incluindo subsídios e bolsas de estudo em conformidade com a legislação aplicável." Destacamos que da redação anterior não poderíamos extrair um direito a benefícios como os subsídios e bolsas de estudos, que se revelam fundamentais em situações de carência económico-financeira de alguns estudantes de ensino superior.
No que diz respeito à Autorização de Residência para Investigadores, a Lei n.º 18/2022 procedeu à alteração do n.º 6 do Artigo 91.º-B do Regime Jurídico, cuja redação atual prescreve que “a autorização de residência concedida a investigadores é válida por dois anos, renovável por iguais períodos ou tem a duração da convenção de acolhimento, caso esta seja inferior a dois anos”.
Anteriormente era válida por um ano, e a renovação era efetuada nos termos gerais do Artigo 78.º do Regime Jurídico, pelo que para além de um alargamento do período de duração da Autorização de Residência em causa, procedeu-se ainda a uma simplificação do procedimento de renovação do mesmo, visto que passam a não ter de ser preenchidas as condições previstas no n.º 2 do Artigo 78.º do Regime Jurídico para poder existir a renovação da Autorização de Residência.
Relativamente à Autorização de Residência para Estagiários, a Lei n.º 18/2022 procedeu à alteração do n.º 2 do Artigo 93.º do Regime Jurídico, que estabelece que a “autorização de residência concedida a estagiários é válida por seis meses, pela duração do programa de estágio, acrescida de um período de três meses, caso esta seja inferior a seis meses, ou por dois anos no caso de estágio de longa duração, podendo neste caso ser renovada uma vez pelo período remanescente do programa de estágio”.
Anteriormente o período de duração da Autorização de Residência era de seis meses, ou correspondia ao tempo de duração do programa de estágio, quando fosse superior a seis meses, sem possibilidade de renovação para qualquer um dos casos. Atualmente, a Autorização de Residência é válida: (i) por seis meses; ou (ii) pela duração do programa de estágio, acrescida de um período de três meses, caso a duração seja inferior a seis meses. No caso de estarmos perante um estágio de longa duração o período de validade da Autorização de Residência é de dois anos, existindo a possibilidade de uma única renovação pelo período remanescente do programa de estágio.
É de notar que a Lei n.º 18/22 alterou o n.º 1 do Artigo 97.º do Regime Jurídico, o qual dispõe agora que “os titulares de uma autorização de residência concedida ao abrigo da presente subsecção podem exercer atividade profissional, subordinada ou independente, complementarmente à atividade que deu origem ao visto”, revogando os restantes números. Neste sentido, se anteriormente era vedada aos estudantes e estagiários a hipótese de exercício de atividade profissional, de qualquer tipo, atualmente já não o é. E, relativamente aos investigadores, existe um alargamento do tipo de atividades que podem exercer, dado que a redação anterior do Artigo em análise, mais especificamente o seu n.º 3, só permitia o exercício da atividade docente.
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VIII. Autorização de Residência Permanente e Residência de Membros da Família
Relativamente à Autorização de Residência Permanente e Residência de Membros da Família, as alterações efetuadas pela Lei n.º 18/2022 repercutem-se no n.º 2 do Artigo 107.º do Regime Jurídico, o qual dispõe, atualmente, que "ao membro da família do titular de uma autorização de residência permanente é emitida uma autorização de residência, válida por dois anos", renovável por períodos sucessivos de três anos. Denota-se, uma vez mais, a preocupação do legislador em manter as famílias juntas, ao permitir a emissão de uma autorização de residência, válida por dois anos, renovável por períodos sucessivos de três anos, aos membros familiares de titulares de autorização de residência permanente.
Observamos uma flexibilidade bastante mais dilatada, por parte do legislador, no que concerne à autorização dos membros do agregado familiar, que não gozam de uma Autorização de Residência Permanente. Recorde-se que antes da entrada em vigor da Lei n.º 18/22, não havia lugar a qualquer possibilidade de renovação, o que significa que, no passado, findos os dois anos referentes ao período da autorização de residência, em decorrência da atribuição da autorização de residência permanente a um membro do agregado, o cidadão estrangeiro poderia ver-se forçado a abandonar o país.
Já o n.º 3, igualmente alterado pela Lei n.º 18/22, estabelece que "decorridos dois anos sobre a emissão da primeira autorização de residência a que se referem os números anteriores e na medida em que subsistam os laços familiares ou, independentemente do referido prazo, sempre que o titular do direito ao reagrupamento familiar tenha filhos menores residentes em Portugal, os membros da família têm direito a uma autorização autónoma", de duração idêntica à do titular do referido direito.
A principal modificação estabelecida neste n.º 3 vai no mesmo sentido do espírito da lei no n.º 2. O legislador dá mais uma prova de que pretende a salvaguarda da unidade familiar, ao prever outra situação para o caso de famílias que solicitaram o reagrupamento familiar. Assim, a Lei n.º 18/22 vem adicionar, à já existente “autorização autónoma”, uma duração para a mesma. Contudo, não se trata de uma duração pré-estabelecida, mas sim bastante flexível, uma vez que a duração desta “autorização autónoma” será idêntica à do titular do direito ao reagrupamento familiar.
Passando ao n.º 4, estatui-se que “em casos excecionais, nomeadamente de separação judicial de pessoas e bens, divórcio, viuvez, morte de ascendente ou descendente, acusação pelo Ministério Público pela prática do crime de violência doméstica e quando seja atingida a maioridade, e inclusivamente se os factos ocorrerem na pendência da apreciação do pedido de reagrupamento familiar, pode ser concedida uma autorização de residência autónoma antes de decorrido o prazo referido no número anterior”, válida por dois anos, renovável por períodos de três anos. Observamos neste ponto a mesma possibilidade de renovação por três anos, à semelhança do observado no n.º 2 do mesmo Artigo.
Relativamente ao n.º 5, refira-se que a primeira “autorização de residência concedida ao cônjuge ao abrigo do reagrupamento familiar é autónoma sempre que esteja casado ou em união de facto há mais de cinco anos com o residente sendo-lhe emitida autorização de residência de duração idêntica à deste”. Sobre este n.º 5, encontramos a mesma solução adotada pelo legislador no n.º 3 do mesmo Artigo.
No que diz respeito às alterações efetuadas pela Lei n.º 18/22, no âmbito da entrada e saída de menores e adultos vulneráveis impedidos de viajar ou com indicação de interdição de saída do território, o n.º 2 do Artigo 31.º do Regime Jurídico passou a dispor que “salvo em casos excecionais, devidamente justificados, não é autorizada a entrada em território português de menor estrangeiro quando quem exerce as responsabilidades parentais ou a pessoa a quem esteja formalmente confiado não seja admitida no País”.
Por sua vez, o n.º 4 do Artigo 31.º dispõe que será recusada a “saída do território português a menores nacionais ou estrangeiros residentes que viajem desacompanhados de quem exerça as responsabilidades parentais e não se encontrem munidos de autorização concedida pelo mesmo, legalmente certificada”. Neste n.º 4, a principal inovação prende-se com a incorporação dos menores nacionais portugueses na lista de recusas de saída do território nacional quando não se encontrem acompanhados de quem exerce as responsabilidades parentais e que, nesse caso, não apresentem autorização concedida pelo mesmo. Antes da entrada em vigor da Lei n.º 18/22 estavam apenas abrangidos por esta proibição os menores estrangeiros residentes.
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IX. Notas Finais
As alterações legislativas ao Regime Jurídico de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros tiveram como objetivo, de modo geral, facilitar a entrada e permanência de cidadãos, através da simplificação de procedimentos, do alargamento de prazos e da criação de novos instrumentos, nomeadamente do Visto de Estada Temporária e de Residência para o Exercício de Atividade Profissional dos Nómadas Digitais.
Como última nota, destaca-se que a forma de obtenção de residência em Portugal permanece dependente da apresentação de manifestação de interesse, nos termos do n.º 2 dos artigos 88.º e 89.º do Regime Jurídico. Tal manifestação de interesse efetua-se mediante o registo de utilizador no site do SEF. O mecanismo de manifestação de interesse mantém a sua relevância, embora, por via da simplificação de procedimentos operada pela Lei n.º 18/2022, se preveja um menor recurso ao mesmo.
[1] Resolução CPLP sobre o Acordo sobre a Mobilidade entre os Estados-membros da CPLP, de 16 de julho de 2021.
[2] Aviso n.º 7/2022, de 4 de março.
[3] Aviso n.º 11/2022, de 7 de março.
[4] Aviso n.º 83/2022, de 22 de agosto.
[5] Aviso n.º 93/2022, de 27 de setembro.
[6] Aviso n.º 8/2022, de 4 de março.
[7] Aviso n.º 9/2022, de 7 de março.
[8] Aviso n.º 84/2022, de 22 de agosto.
[9] Aviso n.º 10/2022, de 7 de março.
[10] Cf. Declaração de Retificação n.º 27/2022, de 21 de outubro.