SUMÁRIO:
Saber se, se as empresas podem exigir aos seus trabalhadores – na admissão e durante a execução do contrato de trabalho – que os mesmos estejam vacinados e/ou apresentem o certificado digital, comprovativo do esquema vacinal completo, tem sido um tema muito debatido actualmente. O tema é sensível e abrange várias questões legais, que sumariamente abordamos neste artigo.
INTRODUÇÃO
Em termos gerais, e sem que esteja directamente relacionado com a situação pandémica que (ainda) vivemos, é responsabilidade dos empregadores assegurar aos seus trabalhadores que as condições de trabalho estão de acordo com as normas de segurança e saúde e, nessa medida, é responsabilidade das empresas implementar todas as medidas necessárias para prevenir quaisquer riscos à saúde e segurança de seus empregados.
Efectivamente, nos termos do artigo 127º, n.º 1 als. g), h) e i) do Código do Trabalho, conjugado com a Lei n.º 102/2009 (Regime Jurídico de Segurança e Promoção da Saúde no Trabalho), nomeadamente, artigo 15º, as empresas devem ter planos de prevenção para (i) evitar riscos, (ii) combater riscos e (iii) que priorizem medidas de protecção colectiva sobre a protecção individual, as empresas devem informar seus trabalhadores e dar instruções precisas sobre essas medidas de como prevenir e/ou evitar qualquer tipo de risco à sua segurança e saúde.
A segurança e saúde no trabalho assume grande importância no contexto laboral. Os ambientes laborais devem tornar-se ambientes seguros e saudáveis. É objectivo da segurança e saúde, a promoção e a manutenção do bem-estar físico, mental e social dos trabalhadores de todos os sectores de actividade; e para tanto, devem os empregadores agir de molde a proteger os trabalhadores dos riscos resultantes de condições que possam, eventualmente, ser prejudiciais à saúde.
Ora, a questão da saúde dos trabalhadores (e população em geral), em contexto pandémico como aquele que se vive actualmente, assumiu enorme importância, cabendo aos empregadores prevenir os riscos que possam afectar os trabalhadores e, em última instância, a actividade das empresas. De notar que, o facto de trabalhadores ficarem isolados, em virtude da doença COVID-19 acarretou (acarreta) implicações graves para muitas das empresas que se viram sem força produtiva que lhes permitisse cumprir os compromissos assumidos.
Por isso, a questão da vacinação, bem como outras questões como sejam testagem, medição de temperatura corporal, certificados digitais, horários desfasados, entrou no dia-a-dia das empresas e na gestão dos seus recursos humanos.
OBRIGAÇÕES QUANTO À SEGURANÇA E SAÚDE
É responsabilidade das empresas assegurar a vigilância da saúde do trabalhador, contratando médico especialista em saúde do trabalho que fará os exames de saúde necessários e registará os resultados em prontuário. O médico só reportará ao empregador a aptidão ou a não aptidão do trabalhador para o trabalho (somente isso e sem quaisquer outras considerações por sigilo profissional).
Ademais, as empresas só podem exigir exames de saúde, de qualquer natureza, para proteger a segurança e saúde do trabalhador ou de terceiros e sempre que exigências particulares relacionadas com a actividade profissional o justifiquem. Para esse efeito, as empresas dão aos trabalhadores, por escrito, a devida justificação.
Por seu turno, os trabalhadores têm a obrigação de observar todas as instruções de segurança e saúde determinadas por lei e pelo empregador (artigo 128º, n.º 1 al. j) do Código do Trabalho e, nomeadamente artigo 17º da Lei n.º 102/2009 de 10.09).
Aqui chegados, e face as estas normas legais que são pré-existentes à pandemia, a “million dollar question” que todos os empregadores colocam, na situação actual que todos vivenciamos com a pandemia, é a de se, invocando as normas de segurança e de saúde no trabalho, podem impor que os seus trabalhadores sejam vacinados e/ou que comprovem, através do certificado digital, o esquema vacinal completo.
VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA/EXIGÊNCIA DE COMPROVATIVO
Como nota preliminar, a vacinação contra a COVID-19, em termos genéricos, não é obrigatória nem integra o plano nacional de vacinação.
Sem prejuízo, devido à situação da COVID-19, as condições de trabalho mudaram.
Se primeiro, houve uma obrigação de confinamento, que impôs que os trabalhadores, que tinham condições para tanto, trabalhassem a partir de casa, à medida que as medidas de combate à situação pandémica foram evoluindo favoravelmente, houve a abertura para que a vida normalizasse, na medida do possível e que os trabalhadores regressassem aos locais de trabalho, desde que observadas as medidas de segurança e saúde.
As autoridades foram emitindo recomendações e instruções para permitir que os trabalhadores retornassem aos seus locais de trabalho em segurança.
As recomendações das autoridades eram, e são, de impor aos trabalhadores a responsabilidade de assumirem que estão em boas condições de saúde para regressar ao local de trabalho e de auto-monitorizarem as suas condições de saúde enquanto estiverem no local de trabalho.
Igualmente, as recomendações iam, e vão, no sentido de que as empresas devem preparar toda a informação relevante sobre a COVID-19, elaborar o plano de saúde de contingência e dar instruções aos trabalhadores sobre como agir no local de trabalho.
Porém, e apesar das recomendações e instruções, nenhuma Lei veio impor a obrigatoriedade de vacinação contra a COVID-19 e/ou veio permitir que os empregadores fossem mais além nas medidas de protecção de segurança e saúde no trabalho.
Com efeito, a vacinação e os testes são apenas recomendados, como determinado pelas autoridades.
Contudo, muitos empregadores questionam-se, ainda assim, se podem, com o acordo do trabalhador ter acesso aos seus dados de saúde mormente em relação à vacinação.
DADOS DE SAÚDE – LIMITES LEGAIS
Apesar dos deveres legais respeitantes à segurança e saúde no Trabalho, há limites legais quanto às exigências que as empresas podem fazer em relação aos seus trabalhadores, no que diz respeito à sua saúde e ao conhecimento do seu estado.
Efectivamente, no capítulo dos direitos de personalidade do Código do Trabalho (Subsecção II, da Secção II do Capítulo I do Título II), designadamente, artigos 17º e 19º, a Lei vem impor restrições quanto ao acesso a dados pessoais do trabalhador.
Assim, o empregador não pode exigir do trabalhador informações sobre a sua saúde, salvo quando particulares exigências inerentes à actividade profissional o justifiquem e desde que o empregador o justifique por escrito e, ainda assim, as informações serão recolhidas pelo médico que depois se limitará a transmitir ao empregador a aptidão ou falta dela da parte do trabalhador.
Igualmente, o empregador não pode exigir do trabalhador a realização ou a apresentação de testes ou exames médicos de qualquer natureza, para comprovação das condições físicas ou psíquicas, excepto se tiverem por finalidade a protecção e segurança quer do trabalhador quer de terceiros ou se existirem particulares exigências inerentes à actividade que o justifiquem, devendo ser apresentada a fundamentação da sua exigência por escrito. Neste caso, também, a informação é transmitida ao médico que se limitará a informar o empregador sobre a aptidão ou não do trabalhador.
Acresce que, o tratamento de dados de saúde apenas pode ter lugar se estiver verificada uma das excepções taxativamente previstas na alínea b) do n.º 2 do artigo 9.º do Regulamento Geral de Protecção de Dados (Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Abril de 2016, vg. RGPD), que, dependendo das circunstâncias do caso concreto, podem ser invocadas de forma a legitimar o tratamento de dados de saúde no âmbito laboral. Com efeito, nos termos da alínea b), pode haver tratamento de dados de saúde “[s]e o tratamento for necessário para efeitos do cumprimento de obrigações e do exercício de direitos específicos do responsável pelo tratamento ou do titular dos dados em matéria de legislação laboral, de segurança social e de proteção social na medida em que esse tratamento seja permitido pelo direito da União ou dos Estados-Membros ou ainda por uma convenção coletiva nos termos do direito dos Estados-Membros que preveja garantias adequadas dos direitos fundamentais e dos interesses do titular dos dados”.
Por seu turno, a Lei de Execução do RGPD (Lei n.º 58/2019 de 08.08), no n.º 2 do artigo 29.º vem prever que “[n]os casos previstos nas alíneas h) e i) do n.º 2 do artigo 9.º do RGPD, o tratamento dos dados previstos no n.º 1 do mesmo artigo deve ser efetuado por um profissional obrigado a sigilo ou por outra pessoa sujeita a dever de confidencialidade, devendo ser garantidas medidas adequadas de segurança da informação”.
Face à questão do tratamento dos dados de saúde dos trabalhadores, designadamente no contexto pandémico, a Comissão Nacional para a Protecção de Dados (CNPD) emitiu orientações sobre o tratamento daqueles dados, em contexto laboral, nas quais refere, concretamente, que os empregadores não devem, eles próprios, proceder ao tratamento de dados relativos à saúde dos trabalhadores ou relativos a eventuais situações ou comportamentos de risco destes, indicando a CNPD que deve ser no contexto da medicina no trabalho que se poderá proceder ao tratamento de dados desta natureza.
EM CONCLUSÃO,
Salvo melhor opinião, não poderão os empregadores exigir dos seus trabalhadores (i) que se vacinem contra a Covid-19, como condição para regressarem ao local de trabalho; e/ou (ii) que demonstrem, através de exibição do certificado digital, o esquema vacinal completo.
Mas, e principalmente agora que o teletrabalho deixou de ser, sequer, recomendado (vide a mais recente Resolução do Conselho de Ministros de 18.02.2022, com o número 23/A/2022), antecipando-se o regresso de muitos trabalhadores aos locais de trabalho, para além das recomendações da DGS, ACT e demais autoridades, é aconselhável que os empregadores apresentem recomendações, e/ou dêem formação específica aos trabalhadores, através da qual demonstrem os benefícios da vacinação e/ou pensem e preparem outras formas de, mantendo os trabalhadores não vacinados ao serviço, evitar conflitos entre aqueles que se vacinaram e estes últimos gerados por desconfianças ou desconfortos
Acresce que, a não vacinação contra a COVID-19, por si só não pode ser motivo para procedimento disciplinar e muito menos para aplicação de qualquer sanção disciplinar, também, não poderão os trabalhadores não vacinados ser discriminados ou ser alvo de tratamento desigual (artigos 23º e seguintes do Código do Trabalho)
Todavia, todas as pessoas devem estar cientes de que é crime propagar doença contagiosa (artigo 283º do Código Penal), pelo que todos são responsáveis por impedir qualquer propagação da doença e são responsáveis por observar todas as recomendações e instruções da saúde autoridades.
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