Artigo – Medidas especiais de contratação pública

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I. Introdução

Na sequência da situação económica resultante da pandemia Covid-19, houve necessidade de conferir uma maior celeridade na adjudicação de contratos públicos, tendo sido, para esse efeito, aprovada a Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, que veio:

  • Aprovar medidas especiais de Contratação Pública;
  • Alterar o Código dos Contratos Públicos;
  • Alterar o Código de Processo nos Tribunais Administrativos; e
  • Alterar o regime jurídico aplicável à constituição, estrutura orgânica e funcionamento das centrais de compras.

Assim, para além das medidas previstas no Código dos Contrato Públicos (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, atualmente existe um conjunto de Medidas Especiais de Contratação Pública (MECP) que, pela novidade que representam, merecem a maior atenção e esta sumária exposição.

No entanto, importa desde logo deixar assente que o regime das medidas especiais de contratação é de aplicação facultativa. Ou seja, ainda que um contrato esteja abrangido pelas medidas especiais aprovadas pela Lei n.º 30/2021, a entidade adjudicante pode sempre optar por adotar um procedimento ao abrigo da parte II do CCP, sendo que, na escolha do procedimento deve indicar expressamente qual a norma com base na qual adotou o procedimento em causa (mais especificamente, um artigo da Lei n.º 30/2021 ou um artigo do CCP).

Entretanto, atendendo às questões práticas colocadas pelas MECP, foi publicada pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I.P., (IMPIC), a Orientação Técnica 07-CCP, que apesar de não vinculativa, funciona como guia de boas práticas e que importa ter em consideração.

 

II. Quais os contratos abrangidos pelas Medidas Especiais de Contratação Pública?

A Lei n.º 30/2021, de 21 de maio aprovou uma série de medidas especiais de formação de contratos.

Assim, as MECP podem ser aplicadas a procedimentos de formação de contratos (saliente-se que o regime de execução não foi objeto de regulação, aplicando-se o regime geral) tendo em conta:

  • A origem da verba a alocar ao contrato – execução de projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus;
  • A execução do Programa de Estabilização Económica e Social (PEES) e do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR);
  • A promoção de uma política pública – (i) matéria de habitação e descentralização, (ii) setor da saúde e do apoio social;
  • O objeto do contrato – (i) tecnologias de informação e conhecimento; (ii) bens agroalimentares;
  • O enquadramento das entidades adjudicantes no Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais – contratos relativos à gestão dos combustíveis no âmbito deste sistema.

Os contratos em matéria de habitação e descentralização devem ter por objeto:

  • A promoção de habitação pública ou de custos controlados ou
  • A intervenção nos imóveis cuja titularidade e gestão tenha sido transferida para os municípios, no âmbito do processo de descentralização de competências;

Os contratos no setor da saúde e do apoio social devem ter por objeto a construção, renovação ou reabilitação de imóveis no âmbito do:

  • Setor da saúde ou
  • Das unidades de cuidados continuados e integrados ou
  • Do apoio social no âmbito das pessoas idosas, da deficiência, da infância e da juventude.

A tipologia dos contratos poderá ser a locação ou aquisição de bens móveis e as empreitadas de obras públicas.

Os contratos no âmbito das tecnologias de informação e conhecimento devem ter por objeto:

  • A aquisição de equipamentos informáticos, ou
  • A aquisição, renovação, prorrogação ou manutenção de licenças ou serviços de software, ou
  • A aquisição de serviços de computação ou de armazenamento em “cloud”, ou
  • A aquisição de serviços de consultoria ou assessoria, ou a realização de obras públicas associados a processos de transformação digital.

Os contratos para a aquisição de bens agroalimentares devem ter por objeto bens que sejam:

  • Provenientes de produção em modo biológico; ou
  • Fornecidos por detentores do Estatuto da Agricultura Familiar, ou
  • Fornecidos por detentores do estatuto de «Jovem Empresário Rural».

Os contratos no âmbito do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR), só podem ser celebrados por entidades adjudicantes integradas nesse sistema para a celebração de contratos (locação ou a aquisição de bens, a aquisição de serviços ou de empreitadas de obras públicas), necessários para a gestão dos combustíveis no âmbito do SGIFR.

 

III. Quais as Medidas Especiais de Contratação Pública previstas na Lei n.º 30/2021?

O Regime de medidas especiais introduziu especificidades aos procedimentos existentes, tratando-os como se fossem novos procedimentos, denominados como “procedimentos simplificados”.

No que respeita aos procedimentos pré-contratuais relativos à execução de projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus, o diploma estabelece que as entidades adjudicantes podem:

  • Iniciar e tramitar procedimentos de concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação simplificados, quando o valor do contrato seja inferior aos limiares referidos nos números 2, 3 ou 4 do artigo 474.º do CCP, consoante o caso;
  • Iniciar e tramitar procedimentos de consulta prévia simplificada, com convite a pelo menos cinco entidades, quando o valor do contrato for simultaneamente inferior aos limiares referidos no artigo 474.º, n.º 2, 3 e 4, do CCP consoante o caso, e inferior a € 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros);
  • Iniciar procedimentos de ajuste direto simplificado nos termos do artigo 128.º do CCP, quando o valor do contrato for igual ou inferior a € 15.000,00 (quinze mil euros);
  • Reduzir o prazo para apresentação de propostas e candidaturas em concursos públicos e concursos limitados por prévia qualificação nos termos do artigo 136.º, n.º 3, 174.º, n.º 2 e 191.º, n.º 5 do CCP, respetivamente, com dispensa da fundamentação prevista nas referidas disposições.

As referidas medidas especiais de contratação pública plasmadas no artigo 2.º da Lei aplicam-se também, ainda que somente até à data de 31 de dezembro de 2022:

  1. Aos procedimentos pré-contratuais em matéria de habitação e descentralização – isto é, à celebração de contratos que se destinem à promoção de habitação pública ou de custos controlados ou à intervenção nos imóveis cuja titularidade e gestão tenha sido transferida para os municípios, no âmbito do processo de descentralização de competências;
  2. Aos procedimentos pré-contratuais em matéria de tecnologias de informação e conhecimento – isto é, à celebração de contratos que tenham por objeto a aquisição de equipamentos informáticos, a aquisição, renovação, prorrogação ou manutenção de licenças ou serviços de software, a aquisição de serviços de computação ou de armazenamento em cloud, a aquisição de serviços de consultoria ou assessoria e a realização de obras públicas associados a processos de transformação digital;
  3. Aos procedimentos pré-contratuais no âmbito do setor da saúde e do apoio social – isto é, à celebração de contratos que tenham por objeto a locação ou aquisição de bens móveis, assim como empreitadas de obras públicas que se destinem à construção, renovação ou reabilitação de imóveis no âmbito do setor da saúde, das unidades de cuidados continuados e integrados, e do apoio social no âmbito das pessoas idosas, da deficiência, da infância e da juventude;
  4. Aos procedimentos contratuais relativos à execução do PEES e do PRR – isto é, à celebração de contratos que se destinem à promoção de intervenções que, por despacho do membro do Governo responsável pelo setor de atividade sobre o qual recaia a intervenção em causa, sejam consideradas integradas no âmbito do PEES (aprovado em anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020, de 06 de junho) ou no PRR. Note-se que o referido despacho é dispensado quando as intervenções em causa digam respeito à execução de projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus.

Já no que concerne os procedimentos pré-contratuais no âmbito do sistema de Gestão Integrada de Fogos rurais (SGIFR) e relativos a bens agroalimentares, o regime prevê outras medidas especiais, distintas daquelas até aqui referidas.

Com efeito, nos termos do artigo 7.º, as entidades do SGIFR que sejam também entidades adjudicantes podem iniciar procedimentos de ajuste direto ou de consulta prévia nos termos do CCP, com vista à celebração de contratos que tenham por objeto “a locação ou a aquisição de bens, a aquisição de serviços ou a realização de empreitadas necessárias para a gestão dos combustíveis no âmbito do SGIFR”, conquanto o valor do contrato seja simultaneamente:

  • Inferior aos limiares referidos no artigo 474.º, n.º 3, alíneas a), b) ou c) ou no artigo 474.º, n.º 4, alíneas a) ou b), consoante o caso; e
  • Inferior a €750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros).

Deve ser ainda mencionado que, segundo o artigo 7.º, n.º 2, os procedimentos de ajuste direto ou de consulta prévia adotados tramitam através de plataforma eletrónica utilizada pela entidade adjudicante, sem prejuízo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 115.º do CCP, quando o valor do contrato a celebrar seja inferior aos referidos, consoante o caso:

  • No artigo 19.º, al. c), do CCP – € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros); ou
  • No artigo 20.º, n.º 1, al. c), do CCP – € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros).

Por fim, quanto aos procedimentos pré-contratuais relativos a bens agroalimentares, o artigo 8.º da Lei vem estabelecer que as entidades adjudicantes podem iniciar procedimentos de ajuste direto simplificado nos termos do artigo 128.º do CCP “para a celebração de contratos que tenham por objeto a aquisição de bens agroalimentares”, quando:

  • O valor do contrato for igual ou inferior a € 10.000,00 (dez mil euros),
  • Os referidos bens agroalimentares sejam:
    • Provenientes de produção em modo biológico;
    • Fornecidos por detentores do Estatuto da Agricultura Familiar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64/2018, de 7 de agosto; ou
    • Fornecidos por detentores do estatuto de «Jovem Empresário Rural», aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2019, de 18 de janeiro.

IV. O Regime dos Procedimentos Simplificados

O “concurso público e o concurso limitado por prévia qualificação simplificados e a consulta prévia simplificada” regem-se pelo disposto nos artigos 10.º e seguintes da Lei n.º 30/2021, sendo-lhes supletivamente aplicável a Parte II do CCP.

Estes procedimentos tramitam obrigatoriamente através de plataforma eletrónica utilizada pela entidade adjudicante, sem prejuízo do disposto no artigo 115.º/1, g) do CCP, ficando a entidade adjudicante dispensada dos deveres de fundamentação quanto à decisão:

  • De não contratação por lotes, nos termos do artigo 46.º-A, n.º 2, do CCP;
  • Da fixação do preço base, nos termos do artigo 47.º, n.º 3, do CCP.

Por seu turno, estas medidas especiais vêm limitar a escolha das entidades convidadas pela entidade adjudicante, estabelecendo que não poderão ser convidadas a apresentar propostas as entidades às quais a entidade adjudicante já tenha adjudicado, no ano económico em curso e nos dois anos económicos anteriores, na sequência de consulta prévia simplificada, propostas para a celebração de contratos cujo preço contratual acumulado seja:

  • Igual ou superior a 750.000,00, no caso de empreitadas de obras públicas ou de concessões de serviços públicos e de obras públicas;
  • Igual ou superior aos limiares referidos no artigo 474.º, n.º 3, alíneas b) ou c) ou 474.º, n.º 4, al. b), do CCP, consoante o caso.

De notar que a exclusão de quaisquer propostas com fundamento na violação destes critérios deverá ser imediatamente comunicada pela entidade adjudicante ao Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I. P. (IMPIC, I. P.), e à Autoridade da Concorrência (AdC).

Para além disso, e sem prejuízo do disposto supra, aplica-se à consulta prévia simplificada, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 113.º, n.º 3 a 6 do CCP.

No que concerne a matéria dos impedimentos, a Lei n.º 30/2021 veio, através do artigo 13.º, atenuar os impedimentos previstos no artigo 55.º/1, d) e e) do CCP. Com efeito, considera-se que “têm a situação contributiva ou tributária regularizada os candidatos ou concorrentes que, tendo dívidas relativas a contribuições para a segurança social ou relativas a impostos”, se encontrem em alguma das situações previstas no artigo 208.º, n.º 2, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS) ou no artigo 177.º-A, n.º 1, alíneas b) a d) do CPPT, consoante o caso.

Adicionalmente, nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 13.º, suprarreferido, a entidade adjudicante “deve ainda admitir a participação de candidatos ou concorrentes com a situação contributiva ou tributária não regularizada” desde que as dívidas relativas a contribuições para a segurança social ou relativas a impostos:

  • Resultem de uma impossibilidade temporária de liquidez, comprovada por termo de revisor oficial de contas (ROC) ou de contabilista certificado; e
  • Não excedam, em conjunto, € 25.000,00 euros.

Caso a proposta apresentada pelo concorrente com a situação contributiva ou tributária não regularizada seja adjudicada, “a entidade adjudicante deve reter a totalidade do montante em dívida” e proceder ao seu depósito à ordem da Segurança Social (SS) ou da Administração Tributária e Aduaneira (AT), consoante o caso, na proporção dos respetivos créditos (cfr. artigo 13.º, n.º 3, da Lei n.º 30/2021).

Já em matéria de audiência prévia, o regime da Lei vem estabelecer que, para efeitos do disposto nos artigos 123.º, 147.º e 185.º do CCP, o prazo de pronúncia dos concorrentes sobre o relatório preliminar é de:

  • 3 (três) dias na consulta prévia simplificada;
  • 5 (cinco) dias no concurso público e no concurso limitado por prévia qualificação simplificados.

No que concerne a prestação de caução, atenua-se a exigência da prestação de caução, nomeadamente nos casos em que o adjudicatário demonstre a impossibilidade de:

  • Proceder ao depósito em dinheiro por falta de liquidez, comprovada por termo de revisor oficial de contas (ROC) ou de contabilista certificado; e
  • Obter seguro da execução do contrato a celebrar ou declaração de assunção de responsabilidade solidária, nos termos do disposto no artigo 88.º, n.º 4, do CCP junto de, pelo menos, duas entidades seguradoras ou bancárias.

Nestes casos, quando não seja exigida caução, pode a entidade adjudicante, se o considerar conveniente, proceder à retenção de até 10 /prct (dez porcento) do valor dos pagamentos a efetuar, desde que tal faculdade seja prevista no caderno de encargos.

No que concerne a matéria de impugnações administrativas, define-se uniformemente o prazo de 3 (três) dias para:

  • A apresentação de impugnações administrativas de quaisquer decisões administrativas ou de outras equiparadas relativas à formação de um contrato público (artigo 270.º CCP);
  • A pronúncia dos contrainteressados – candidatos ou concorrentes – quanto ao pedido e fundamentos da impugnação administrativa (artigo 273.º do CCP);
  • A decisão de impugnações administrativas (artigo 274.º do CCP).

Por fim, chama-se a atenção para o facto de que estas medidas especiais de contratação pública, aprovadas pela Lei n.º 30/2021, só se aplicam aos procedimentos de formação de contratos públicos que se iniciem após a sua data de entrada em vigor, bem como aos contratos que resultem desses procedimentos.



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